Um lugar
organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um cenário de
novela. Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os
móveis, afofando as almofadas... Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o
olho e percebo logo: aqui tem vida... Casa com vida, pra mim, é aquela em que
os livros saem das prateleiras e os enfeites brincam de trocar de lugar. Casa
com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições fartas, que chamam
todo mundo pra mesa da cozinha. Sofá sem mancha? Tapete sem fio puxado? Mesa
sem marca de copo? Tá na cara que é casa sem festa. E se o piso não tem
arranhão, é porque ali ninguém dança. Casa com vida, pra mim, tem banheiro com
vapor perfumado no meio da tarde. Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente
guarda barbante, passaporte e vela de aniversário, tudo junto... Casa com vida
é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda. A que está sempre pronta
pros amigos, filhos... Netos, pros vizinhos... E nos quartos, se possível, tem
lençóis revirados por gente que brinca ou namora a qualquer hora do dia. Casa
com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente. Arrume a
sua casa todos os dias... Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver
nela... E reconhecer nela o seu lugar.
Carlos
Drummond de Andrade.
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